quinta-feira, 19 de junho de 2008

Conde do Pinhal

Era na rua Conde do Pinhal a farmácia Guanabara. Ali, trabalhava um enfermeiro - farmacêutico, para minha mãe - de nome Joaquim. Como uma vítima lembra de seu algoz, lembro bem de seu rosto, sempre sorridente, o cabelo com uma pequena franja, tinha lá uma beleza triste de príncipe Charles. Prova de que ele me conheceu antes de que eu o conhecesse é que sempre que eu passava pela estação São Joaquim do metrô, lembrava dele, o único referente Joaquim da minha primeira infância.

Não lembro de sua voz, porque, além de parecer naturalmente tímido, ele nada tinha que falar, naquela situação. Eram minhas constantes amigdalites, laringites, gripes e quejandos que me levavam à salinha, atrás do balcão, com aquele cheiro inesquecível e o silêncio do Joaquim. Eu aprendi rápido que em seguida viria o frescor do álcool em contato com a pele e a dor nada terrível da picada, que aumentava aos poucos, na medida em que o antibiótico entrava no músculo.

Várias sessões, cada vez menos sorridentes, daquela intimidade constrangedora, transformada em rotina pelos intermináveis tratamentos.

Eu não tinha mais do que dez anos, mas era fascinado por ele. Como alguém poderia trabalhar todo dia naquela rua, a mais escura e deserta do centro, numa farmácia onde, parecia, só minha mãe era cliente, aplicando injeções numa sala sem janelas, ladrilhada, fétida, aspirando à assepsia dos armários envidraçados daquela época? Era um fascínio, sim, mesclado a uma angústia, essa incitada pelo excesso de zelo da minha mãe, que de tanto dizer que não ia doer nada, criava e incitava a dor.

Depois de alguns anos, ela deixou de entrar junto. Deve ter percebido que sua presença piorava as coisas (hoje, até penso que sofresse em me ver ali, e só queria mesmo era poupar-se do espetáculo). Então, só o silêncio meu e do Joaquim, a dor era bem menor. Ficávamos felizes; eu por ter vencido o medo, ele por ter fornecido um futuro próximo e sadio para um de seus únicos clientes. Novamente, ele sorria e eu me curava.

A rua Conde do Pinhal ainda existe, escura como sempre. A farmácia duvido que ainda esteja lá. Mas tenho certeza de que o Joaquim continua por aí, sorrindo e criando estações de metrô, silenciosamente, com a sensação de dever cumprido.

Um comentário:

Unknown disse...

Este Joaquim ainda existe,na rua da gloria 38 bem proxima a farmacia
meu email:recanto_beleza@hotmail.com
abraços