quinta-feira, 19 de junho de 2008

Torres

Quando vou ao médico, não me sinto bem por não ter problemas de saúde. Não sofro de nada. Faço os exames e tudo nos conformes. É como se fosse meu dever pedir desculpas a ele, por ter tomado seu tempo, por achar que mereço estar ali tanto quanto um tuberculoso qualquer. Ir ao médico para mim é e sempre foi uma penitência, só ainda não decidi se minha, por ter que ir pelos motivos mais esdrúxulos provar por A+B que estou bem, ou dele, quando vê que não há problemas e que não pode me recuperar de nada. Há um esboço de satisfação que, no fundo, eu sei, é só uma maneira de disfarçar o tédio.

Nas últimas vezes, até andei aumentando ou inventando uma tossezinha aqui, uma dorzinha muscular ali; os médicos mudam um pouco o semblante, mas logo percebem meu estratagema e retornam a suas anotações hieroglíficas para, no final, dar o mesmo veredito: estou bem, estou apto, a medicina nada pode fazer por mim. Nesse exato instante, como sei que deixaram de me levar a sério, é inevitável que eu os veja, inseguros, por baixo daquele anteparo branco e difuso, pensando em outra coisa qualquer, no almoço que tiveram, nos problemas dos filhos na escola, sendo otimista, em buscar se atualizar sobre as úlceras do paciente anterior.

Hoje, na torre, era uma médica simpática, bela - não a beleza das multidões, mas a minha beleza, aquela de comer apoiada numa mesa rústica o queijo de cabra que a Provence oferece a seus filhos, numa manhã de sábado. Obviamente, ela não tinha muito trabalho; explicou toda a anatomia do raio-X sem que eu perguntasse, discorreu longamente sobre a operação de correção de miopia - a qual desconfio que ela tenha feito, pelo entusiasmo brilhante de seus olhos que até me fizeram pensar na hipótese. Depois, desfiou uma a uma minhas saudáveis virtudes, rubricou meus exames impecáveis, mediu, ouviu, tocou e, tendo o mundo a seus pés, despachou com sua chancela o meu ingresso nas torres.

Quando pensei na felicidade que seria trabalhar ali, como ela, flagrei-me pensando em morar ali. Traição curiosa, porque examinei bem o lugar e achei que apenas por esse exame tudo era bom e que lá do alto, distante de todo o resto da humanidade, poderia ser feliz.

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